sábado, 13 de julho de 2013

POESIA

Poema do polonês Czeslaw Milosz, retirado do livro “Alguns gostam de poesia”, com poemas dele e de Wislawa Szymborska, da editora portuguesa Cavalo de Fogo, tradução de Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves.

NÃO MAIS

Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.
 
 
 


Montgeron, 1957

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