sexta-feira, 21 de novembro de 2014

ARMADILHA

UMA ARMADILHA
É SEMPRE UMA ARMADILHA
UM ARDIL HOSTIL À TRILHA
UMA ARMADILHA
É SEMPRE UMA ARMADILHA
UMA CILADA
CONTRA QUALQUER ESCAPADA
OU TENTATIVA
DE FUGA OU ENCONTRO
UMA ARMADILHA
É SEMPRE CAMUFLADA
PODE ESTAR ESCONDIDA
EM QUALQUER PARTE
NOS LÁBIOS ESCARLATE
NO ALÇAPÃO DO CORAÇÃO
NO BROCADO DA BLUSA SALMÃO
OU EM ALGUM BOTÃO MADREPÉROLA
UMA ARMADILHA
É SEMPRE SILENCIOSA
CULTUA A ESPERA
E QUANDO DÁ O BOTE
A SUA LÍNGUA SERROTE
INTERCEPTA O SILÊNCIO
E ASSÉPTICA SUBVERTE O ROTEIRO
E CONTA OUTRA ESTÓRIA
ATÉ QUE ENCONTRE
OUTRA ARMADILHA
 
Carlos Roberto Gutierrez
 
 

Óculos

perdi meu óculos
onde será que ele foi parar?
estava eu sentado
bem relaxado
sobre um banco de jardim
e cochilei
daí o óculos já folgado
escapou dos meus olhos
escorregou sobre a gangorra do meu rosto
sobre o algodão da minha camiseta
sobre o brim do meu jeans surrado
deveria estar no chão
intacto ou espatifado
que nada!
alguém o levou
ou ele desfeito do peso das lentes
se sentiu borboleta
e criou asas
para ler os vincos das folhas
e as texturas das árvores,,,
como encontrar
há tantas folhas penduradas
e tantas outras soltas
beijando o gramado
quem sabe meu óculos poderia ser esse
de um lado vermelho já tomado de negro
na combustão de uma paixão
e de outro lado transparente
ao que ainda a alma consente crer e amar...
cadê os meus óculos?



Carlos Roberto Gutierrez

foto Nelson de Souza

 

Pássaro

pássaro
pelos ares
ou pelos aros
dos arames
comportados
ou farpados
pousa
na treliça metálica
que ousa
interceptar a paisagem
pássaro
entre o repouso
e a próxima viagem
experimenta quando fecha as suas asas
a rede intrusa no espaço
no ex pássaro
que renova as asas quebradas
em um novo plano de viagem
com mais voragem
 
Carlos Roberto Gutierrez
 
foto Nelson de Souza
 
 

Sem Palavras

sem palavras
sem estar de frente
sem mostrar a cara
virar as costas
mudar a casaca
não tirar o chapéu
por nada desse mundo
seguindo o seu rumo
sem palavras
apenas o som
de algumas gotículas de chuva
não estar nem aí
sem sumir sem assumir
passar como uma chuva
pular das poças e poços
displicente
 
Carlos Roberto Gutierrez
 
foto de Alex Howitt
 
 

PIPA

 ·
a pipa
sobe
sobe
se estica
ratifica
a sua natureza
sol em seda
liberdade em linha
afeto prolongado



Carlos Roberto Gutierrez

tela de Lucy Orquiza


Evinha - TELETEMA

OPS

OPS!
PULA ESSA PARTE
FALHOU O ENGATE
NA HORA DO PULO
QUEIMOU A PARTIDA
QUEIMEI AS PESTANAS
TORCI AS PERSIANAS
E O SALTO?
SURTEI
"SARTEI" DE BANDA
OPS!
PULA ESSA CENA
PATÉTICA
NÃO CONDIZENTE
COM A MINHA NATUREZA FELINA
E GATUNA POÉTICA
NÃO ENXERGA
O QUE FRUSTRA E VERGA
DESCONSOLADO ASSIM


Carlos Roberto Gutierrez

foto da Poemática

 

Noite Vazia

A NARRATIVA PELOS SEUS OLHOS
O passeio pela cidade. Você me mostrando o ponto em que Walter Hugo Khouri colocou a câmera na Praça Roosevelt para fazer Noite Vazia. A lâmina do chão, um campo aberto na horizontal, vi São Paulo em plongê pelos seus olhos numa montagem paralela.
Só você é capaz de encenar tudo novo, o zoom de volta a 1964. Do alto dos prédios o brilho das luzes, pelos seus olhos. A chuva incessante, pelos seus olhos. O footing na avenida, pelos seus olhos. Um emaranhado de folhas e roteiros.
Nunca fomos tão personagens, nunca fomos tão surrealistas, nunca inventamos tantas pontes e túneis, como quando andamos pela metrópole numa espécie de sonho em que todas as vidas se cruzam.
Guardei a fotografia em preto-e-branco. O relato luxuoso que transforma a rua num cenário de saias justas e fios elétricos. Corpos colados e diálogos que retornam pelo celular ao tempo de tomadas circulares, narrativas audiovisuais enquanto marcamos um novo encontro, embora quase tudo tenha dado errado naquele filme.
Aqui faço um corte.
Novembro de 2014, sábado à noite, fecho seu rosto em close. Os tambaquis servidos nos bares são peixes sonoros. Uma dose de vodka com frutas vermelhas, pelos seus olhos. Na Praça Rossevelt, pelos meus olhos, o amor nunca será um contraplano.

(Célia Musilli)
*
Foto: cena de Noite Vazia de Walter Hugo Khouri.
Trailer do filme:


http://www.youtube.com/watch?v=QHCbEIjNTAY

Chuva Suave

Nós dois ambos perdidos
solitários no mundo
nos encontramos sem motivos aparentes
emotivos talvez
Caminhe comigo! eu pude me atrever
sob o estímulo da chuva recente e suave
Não tenha medo, eu tenho uma mão hesitante
Para a sua mão e a presunção
de ser o seu amor por um tempo
enquanto suave chover

Eu sinto as suas lágrimas que caem
misturadas com as gotas da chuva
em minhas têmporas
Eles são quentes em contraste
com a chuva suave e refrescante
que nos leva adiante
pulando poças e umedecidos obstáculos
Nosso amor
Seja doce ou muito triste
garoa da melancolia
há de esclarecer e aclarar o dia

Carlos Roberto Gutierrez

https://www.youtube.com/watch?v=s6ndU7GKpjI

SARDAS

poema em forma de sardas
SARDAS
Tá na face
Tá na cara
as nítidas marcas da adolescência
o sol que se reparte
as sardas que conferem às vezes
melancolia e outras charme
marcas chamativas
prerrogativas da pele clara
exposta à desproporcional luz
que se deflagra


Carlos Roberto Gutierrez


foto de Piotr Haskiewicz.