sexta-feira, 17 de maio de 2013

As Intermitencias da Morte

Pílulas de Literatura: Saramago e As Intermitências da Morte

"Na tarde deste mesmo dia, como já havíamos antecipado, chegou à redacção do jornal uma carta da morte exigindo, nos termos mais enérgicos, a imediata rectificação do seu nome, senhor director, escrevia, não sou a Morte, sou simplesmente morte, a Morte é uma cousa que aos senhores nem por sombra lhes pode passar pela cabeça o que seja, vossemecês, os seres humanos, só conhecem, tome nota o gramático de que eu também saberia pôr vós, os seres humanos, só conheceis esta pequena morte quotidiana, que eu sou, está que até mesmo nos piores desastres é incapaz de impedir que a vida continue, um dia virão a saber o que é a Morte com letra grande, nesse momento, se ela, improvavelmente, vos desse tempo para isso, perceberíes a diferença real que há entre o relativo e o absoluto, entre o cheio e o vazio, entre o ainda ser e o não ser já, e quando falo de diferença real, estou referir-me a algo que as palavras jamais poderão exprimir, relativo, absoluto, cheio, vazio, ser ainda, não ser já, que é isso, senhor diretor, porque as palavras, se não o sabe, movem-se muito, mudam de um dia para o outro, são instáveis como sombras, sombras elas mesmas, que tanto estão como deixaram de estar, bolas de sabão, conchas de que mal se sente a respiração, troncos cortados, aí lhe fica a informação, é gratuita, não cobro nada por ela, entretanto preocupe-se com explicar bem aos seus leitores os comos e porquês da vida e da morte..."

José Saramago. As Intermitências da Morte. 2005. P. 124-125.

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